Wednesday, June 04, 2008

Não sou o Leão !!

"À Noite, aqui na selva, quem dorme é o Leão."

 

Diz o refrão que é parte integrante de uma das magníficas músicas do filme O Rei Leão. Na verdade uma trilogia. Filmes maravilhosos.

 

Ela exprime toda a primazia e superioridade do "Rei das Selvas". É um tributo a seu status conquistado em milhares de anos de evolução. À noite só ele pode se dar ao luxo de dormir. Aos outros animais resta a vigilância, a prontidão. Qualquer ruído lhes alerta e faz com que grupos inteiros se desloquem na escuridão da savana.

 

Todos podem ser suas presas. Se não de um leão individualmente – de verdadeiras hordas deles. Caçam em grupo. São espertos, isto lhe garantiu a sobrevivência. Só os mais bravos procriam e anos e anos depois forma-se uma espécie com direito a fama que tem.

 

Leões dormem 20 horas por dia. Caçam quando tem necessidade. Vão à savana observar e seguir grandes grupos de herbívoros. Os Gnus são suas presas mais usuais. Pobres Gnus. Andam em grupos enormes, o que diminui a chance de um individuo em particular de ser abatido. Falsa proteção. Protegem-se na estatística. Grandes matemáticos estes gnus.

 

Os leões muitas vezes se posicionam próximo aos bebedouros. Sabem que os gnus e outros animais vão ter de beber – hora ou outra. Ficam lá. Deitados esperando.

 

Os gnus se aproximam junto com Zebras e Veados. Desconfiados. Sentem o cheiro dos leões e da morte. Unem-se, e mesmo sabendo da iminência de um ataque, como precisam passar por esta provação, arriscam-se.

 

Alguns são abatidos. Exceto os búfalos, em que quando um deles é atacado os outros voltam-se contra o agressor – no caso dos gnus, ninguém volta para socorrer a vítima. Ela fica lá – estrebuchada e sendo devorada.

 

Os Leões – como a natureza e sua evolução os ensinou – atacam os mais fracos. Podem abater qualquer individuo, mas o seu alvo são os mais velhos, os mais jovens e os mais fracos. Por quê? Porque estes lhes opõem menor resistência e a chance de saírem da batalha do abate com algum ferimento é maior. Como na lei da selva não há impunidade – uma pequena lesão pode levar à morte por inanição. Ninguém irá caçar ou buscar água para um eventual leão ferido. Na verdade é visto como um concorrente a menos.

 

Como vemos, os leões também são bons estatísticos.

 

Sentamo-nos ao sofá, sintonizamos um determinado canal de TV e podemos assistir a tudo isso. Nos maravilhamos com o desenrolar da natureza e com as possibilidades humanas. Como pôde o homem superar estas verdadeiras bestas? Estas máquinas de matar? Um bípede, lento e suculento?

 

Não há como não nos orgulharmos enquanto espécie de termos saída do cardápio, tornarmo-nos donos do restaurante e podermos provar qualquer item servido ali.

 

Não comemos leões somente porque a carne bovina é mais saborosa e economicamente é melhor criar boi do que leões.

 

Escolhemos os leões como entretenimento e não como comida. Esta é a sua função no nosso fictício restaurante. Um animador. Não é muito diferente do que acontecia nos bárbaros eventos da antiguidade. Mudaram os atores somente.

 

Nosso regozijo, porém, também é pura ficção. Nós na verdade somos os gnus.

 

Nós não somos os leões.

 

Andamos em bando. Quem se atreveria a atravessar alguma região de nossas cidades a só. Nem de dia, quem dirá à noite?

 

Ao chegar em casa, de carro, ao acionar o portão da garagem, parecemos aqueles gnus assustados a caminho do bebedouro, olhando para todos os lados e a qualquer sinal de perigo deixamos de chegar na nosso própria casa para "dar um tempo".

 

Nos camuflamos – como as zebras e suas listras em que ficando lado a lado, o leão acaba por não definir onde começa uma e termina a outra. Colocamos filmes de proteção nos nossos automóveis, com o motivo principal de confundir o bandido. Ele tem a mesma lógica dos leões quanto ao risco a assumir. Não conseguem discernir sobre a nossa fragilidade ou não. Deixam-nos passar. Bandido estatístico!

 

Nós trabalhamos para o nosso sustento. Como os gnus que passam os dias pastando, criando os filhos e adubando a terra. Os leões, como os bandidos, refrescam-se para quando houver necessidade, atacar.

 

À noite, nos trancamos em nossas casas. Atentos e vigilantes a qualquer sinal estranho, dormimos preocupados. Fazemos de nossas casas fortalezas. Tudo para nos protegermos dos donos da escuridão. Aqueles que podem dormir a noite – se quiserem.

 

A lei humana ainda é mais severa do que a natural. Caso um gnu mate um leão será um ato de defesa heróico. Os búfalos quando reagem a um ataque dos leões muitas vezes os ferem mortalmente – pois avançam 10 ou 12 indivíduos contra uma leoa que os espreita.

 

No mundo humano seria um linchamento.

 

Nós não podemos nos defender. Não podemos usar armas. Onde já se viu um gnu poder se defender de um leão – com seus dentes de 7 cm e suas garras afiadíssimas.

 

Ao matar um leão – perante a nossa lei – este Gnu seria processado. Homicida seria acusado. Sua vida viraria um inferno, mesmo que ao final fosse absolvido.

 

O Estado por definição, não natural, nos tolhe a defesa. Criam-se na raça humana os indivíduos Gnus e os indivíduos Leões.  A Presa e o Predador.

 

E eu, que ao assistir deliciado estes documentários, pensava que era o Leão.

 

 

 

21-10-2007

 

 

Vinicius de Gonzaga