Era madrugada, dia 1º de maio de 1994. Uma festa junto com vários casais de amigos e colegas de empresa em uma casa noturna de Porto Alegre.
Três horas da manhã nos despedimos e entre um abraço e outro nós comentávamos sobre a corrida de fórmula 1 da manhã seguinte. A preocupação maior era se conseguiríamos acordar antes do início da corrida. Afinal estávamos todos muito cansados. Cancelamos o churrasco do dia seguinte, o qual sempre fazíamos para acompanhar as corridas do Airton.
Amanheceu. Toca o telefone na minha casa. Ainda sonolento levanto e atendo a ligação. Era meu amigo Nakato.
-- Cara! Tenho uma notícia ruim. Nosso amigo Guilherme morreu esta madrugada.
Fiquei em choque. Guilherme e sua esposa estavam na festa conosco há poucas horas. Divertindo-se, rindo, dançando!
-- Mas como isso aconteceu? Perguntei.
-- Sofreu um acidente na Av Azenha. Perdeu o controle do carro e bateu no muro de uma obra. Um vergalhão entrou pelo para-brisa dianteiro e atingiu sua cabeça, matando ele na hora.
Chocado, recebi as informações sobre o funeral e desliguei o telefone.
Ainda tonto com a notícia, sentei numa poltrona na sala de TV. Totalmente aturdido liguei de forma instintiva o aparelho.
POOONG!! A imagem estampada diante dos meus olhos era de Senna ainda preso dentro do seu carro e Galvão Bueno com a voz embargada, antevendo a tragédia, transmitindo a situação.
Não podia acreditar!!
Havia acordado com a notícia pavorosa da morte de um colega de trabalho, e agora isso. Dois fatos com incrível semelhança!
Como provavelmente TODOS os brasileiros, amantes da F1 e fãs de Senna, não consegui desgrudar da TV até a confirmação de sua morte.
Um sentimento de orfandade me tomou profundamente. Os domingos nunca mais seriam os mesmos. Já sabia disso. Porém a situação mais estranha ocorreu horas depois no velório do Guilherme, colega de trabalho, o qual eu via e conversava com alguma frequência.
Sentia-me muito mais, velando o meu outro amigo: Airton Senna.
O sentimento era mais forte que eu. Era esse amigo que realmente me deixava naquele momento com o peito apertado.
Airton era muito próximo. Estava em minha casa quase todo o domingo. Era minha projeção de sucesso. Referência de Vitória.
Senti vergonha do meu sentimento. Senti como que traindo meu colega que ali jazia na minha frente.
Demorei algum tempo para entender o que se passou, imaginando o vazio que Senna deixaria na minha vida. Como de fato deixou. Por isso hoje respeito demais a memória deste gênio inspirador. Que mesmo não estando mais aqui conosco, o seu espírito forte ainda nos fascina e motiva a ir além, ultrapassando todos os limites.
(*) Os fatos descritos acima são verídicos. Os nomes “Nakato” e “Guilherme” são fictícios.